Alimentação supervisionada e saúde gestacional

O período gestacional é marcado por diversas modificações na fisiologia feminina; momento este de atenção intensiva à saúde tanto da gestante quanto do seu concepto. O No estado gravídico, ocorre uma série de alterações hormonais e diversas adaptações corporais a fim de garantir a estabilidade e manutenção da gravidez. O aumento do trabalho cardíaco, o acúmulo de água no corpo e modificações nas funções renal, respiratória e gastrointestinal apresentam reflexos nos níveis sanguíneos de muitos nutrientes e necessitam de condução especializada.

Na população geral, a carência nutricional de pelo menos um micronutriente (vitaminas e minerais) é considerável. No período gestacional, no qual muitas demandas estão aumentadas, essas deficiências tendem a se agravar se não suplementadas de forma pertinente. Atualmente, é de conhecimento científico que o ambiente intrauterino exerce influência na expressão de genes que estão relacionados a algumas doenças na fase adulta. Dentre outras possíveis consequências, carências nutricionais estão associadas a alterações renais e pancreáticas que culminam em hipertensão e resistência insulínica da prole, elevando o risco cardiometabólico no futuro.

Em geral, a gravidez se desenvolve de maneira saudável. Uma triagem nutricional direcionada, com o conhecimento dos hábitos alimentares da gestante, identificação precoce de possíveis deficiências nutricionais e comorbidades como doenças da tireóide, diabete melito, obesidade e hipertensão arterial sistêmica é de suma importância para a condução adequada da gravidez.

A ABRAN (Associação Brasileira de Nutrologia) recomenda supervisão nutricional mensalmente ou a cada 2 meses. A alimentação equilibrada é fundamental para evitar possíveis complicações; para o aumento recomendado do peso e para promover o desenvolvimento saudável do bebê. A distribuição dos macronutrientes (cerca de 50% de carboidratos, 30% de lipídeos e 20% de proteínas) é semelhante à mulher não gestante, com aumento de calorias proporcional ao período gestacional e às necessidades maternas. São recomendadas seis a oito refeições ao dia com calorias balanceadas e preferência por frutas, legumes e verduras. Alimentos fontes de açúcares refinados, como refrigerantes e doces e fontes de óleos e gorduras, como frituras em geral devem ser ingeridos com cautela. Bebidas alcoólicas, tabagismo; excesso de sal e de condimentos são desaconselhados pelos já comprovados efeitos maléficos à gestação.

O peso é um marcador importante a ser monitorizado. Sua variação almejada deve ser calculada e discutida com a gestante logo ao primeiro contato, sendo fundamental o parâmetro pré-gestacional para essa programação. As medidas antropométricas são as mesmas da paciente não gestante, porém com valores de referência particularizados. O índice de massa corporal (IMC) é o marcador geralmente utilizado. Gestantes com IMC pré-gravídico até 18.5kg/m2 são classificadas como baixo peso, orientando-se ganho de peso entre 12,5 a 18kg durante a gestação; IMC de 18,6 a 25kg/m2 classifica peso como normal, com ganho de peso recomendado entre 11,5 a 16kg. Já as gestantes com IMC maior, com sobrepeso (25,1 a 30Kg/m2) e obesidade(>30,1Kg/m2), tem alvos mais restritos, sendo a variação orientada, respectivamente, de 7 a 11,5kg e 5 a 9Kg. As gestantes que estão acima do peso são desencorajadas a aderir dietas para redução do peso nesse período pelo possível efeito maléfico ao bebê em desenvolvimento e o jejum prolongado deve ser evitado.

O metabolismo basal apresenta uma elevação durante a gestação, sendo ocasionado principalmente pelo aumento uterino, crescimento do feto e devido à sobrecarga cardíaca. Geralmente, uma oferta calórica de 2000Kcal ao dia previne o nascimento de bebês de baixo peso.  O cálculo das calorias totais a serem administradas deve ser feito com base no requerimento energético estimado (REE), particularizando-se para cada trimestre gestacional. Estudos de calorimetria indireta feitos em gestantes evidenciam um aumento de 350 a 500 kcal a partir do segundo trimestre da gravidez, correspondendo ao aumen-to das necessidades metabólicas. O valor do REE deve ser acrescido, em média, 350 kcal/dia para o segundo trimestre e 500 kcal/dia para o terceiro. A idade da gestante também é um fator importante nessa análise, havendo necessidade de uma oferta maior na adolescência.

As necessidades vitamínicas e de minerais modificam-se durante o transcorrer da gravidez. Em alguns casos, elas podem ser atendidas pela ingestão dietética; em outros há necessidade de suplementação oral. Os suplementos gravídicos tradicionais utilizados na obstetrícia e na nutrologia apresentam dosagens seguras para cada período e não devem ser utilizados de forma indiscriminada e sem supervisão médica. Em situações específicas, deve ser realizado estudo laboratorial de alguns marcadores nutricionais, salientando-se que a análise direcionada dos valores de referência para o período gestacional é imprescindível para que sejam evitados erros diagnósticos.

O crescimento fetal e placentário e as adaptações do organismo materno elevam a demanda do ácido fólico nesse período. A necessidade diária dessa vitamina é de 600 μg/dia, devendo ser adquirido por meio da dieta alimentar e da suplementação oral. A deficiência de ácido fólico está associada à má formações congênitas do tubo neural no início da gestação; quando muitas mulheres ainda desconhecem a gravidez. Diante disso, orienta-se suplementação de 1 mg de ácido fólico 3 meses antes da concepção (quando programada) ou imediatamente após o conhecimento da gravidez a fim de garantir um aporte satisfatório. Mulheres usuárias de álcool e/ou drogas, bem como sob uso crônico de anticoncepcional oral e de medicações antiepilépticas predispõe risco maior para deficiência de folato.

Ao primeiro trimestre gestacional também deve-se estar atento a presença comum de náuseas e vômitos. A frequência e intensidade aumentada dessa sintomatologia pode originar deficiência energética e protéica, bem como de minerais, vitaminas e eletrólitos. Recomenda-se a ingestão de alimentos em pequenas quantidades, com preferência por alimentos secos como bolachas, cereais, torradas e frutas duras como maçã e pêra. Os alimentos devem ser bem mastigados, estando de preferência à temperatura ambiente, com orientação de ingestão de líquidos nos intervalos das refeições. Aproximadamente 0,5 a 2% das gestantes podem evoluir com quadro grave de náuseas e vômitos denominado de hiperêmese gravídica; o que gera risco de complicações maiores nesse período.

A vitamina A, outro micronutriente a ser destacado, apresenta sua demanda elevada também. A necessidade diária é de cerca de 800µg ao dia. Tanto a deficiência quanto o excesso dessa vitamina estão associados a malformações fetais e desfechos negativos na mãe, ratificando a necessidade da reposição supervisionada. O ferro representa um mineral de extrema importância na gestação e suas necessidades variam em cada período gestacional. A partir do segundo trimestre, sua demanda aumenta como consequência do maior transporte de oxigênio para a mãe e ao feto, estendendo-se ao parto. Os níveis de hemoglobina materna devem ser monitorados e mantidos no alvo recomendado para garantir o suporte necessário. É recomendada a suplementação oral de ferro, mesmo na ausência de anemia, para suprir as necessidades do segundo e terceiro trimestre gestacional. A necessidade total de ferro via dieta dificilmente será atingida. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda 60 mg de ferro ao dia por 6 meses, orientando-se dobrar a dose caso não seja possível realizar os 180 dias de suplementação.

A carência do zinco durante a gestação está relacionada à abortamento espontâneo, restrição do crescimento intrauterino, prematuridade, pré-eclâmpsia, anormalidades congênitas, dentre outras consequências. A alimentação abundante em alimentos integrais e fitatos, a suplementação elevada de ferro, além de infecções, fumo e o álcool são fatores associados à sua redução sérica. A suplementação diária nas doses de 15 a 25 mg ao dia assistem as recomendações do período.

No que concerne ao cálcio, há uma série de alterações hormonais poupadoras de cálcio nesse período que visam à manutenção de sua concentração sérica ideal para atender as necessidades do esqueleto fetal. A ingestão de leite e seus derivados é estimulada, com pouca necessidade de suplementação, já contida nos polivitamínicos habituais utilizados nesse período. Atenção especial deve ser dada às mães com distúrbios gastrointestinais que apresentem absorção de cálcio prejudicada, além de multíparas com baixa ingestão oral de cálcio. Nesses casos, pode haver mobilização do cálcio do esqueleto materno e comprometimento da densidade mineral óssea neonatal. Nos últimos anos, vem sendo realizadas diversas pesquisas clínicas relacionando vitamina D e desfechos maternos e fetais. Os resultados ainda são conflitantes, mas recomenda-se, em geral, manter valores acima de 30ng/dL, respeitando o valor de segurança (inferior a 100ng/dL). Estão disponíveis no mercado suplementos específicos tanto na forma de comprimidos quanto de gotas para uso diário.

Dra. Lilian Loureiro A. Cavalcante
CRM/CE: 9764
Médica Responsável
Laboratório Pasteur

 

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