Mudei o tema, perceberam? Mas vou falar dele daqui a pouco, para quem não se lembra o tema era: A endometriose na era da reprodução assistida, mas esta semana Deus me deu um tapa, de luva…melhor assim, mas foi um tapa. Vou me reportar a uma das histórias que talvez seja uma das mais emocionantes de toda a minha vida. Meu consultório já estava quase no final, já devia passar das 19hs, já estava cansado quando atendi este casal. Eles vinham de três fertilizações in vitro em outra clínica sem sucesso e isto por si somente já bastava para ser uma história carregada. Mas tinha mais. Perderam um filho..11 anos de idade, morte súbita e aguda, sem aviso, simplesmente devastando as suas vidas. Tinha um casal, agora um vazio. E ela ligou as trompas. Saí do consultório sem rumo e norte e assim passei uns dias.
Nesta mesma noite, quando retornava para casa, perguntei a Deus se era justo tanto sofrimento. Não tive resposta. Ela viria mais tarde. Fiz a minha primeira fertilização, mas não tive sucesso. Era a sua quarta. Ela já estava perto dos 40 anos e saberia que não seria tão fácil. Fomos para a segunda e nasce uma linda garota. O tempo passou, esta criança completou um ano e para minha surpresa aquele casal me procura novamente. Agora começa o tapa que Deus me deu. Propus a este casal que recebesse óvulos de outra paciente. A idade já tinha avançado mais, os óvulos mais escassos …enfim se lá no início este caso não era tão fácil, imaginem agora. Mas eles resolveram tentar mais uma vez com seus próprios óvulos. Acho que transferi apenas dois ou três embriões, com qualidade nada excepcional, apenas regulares. E o teste foi positivo, mas um positivo baixo. Sinceramente não achei que fosse adiante. E então no dia do seu primeiro ultra som, quando comecei a fazer, vi um embrião com um coraçãozinho pulsando; já estava transbordando de alegria. Mas para minha surpresa vi outro embrião pouco tempo depois…não acreditei. Fiquei pensando que alguns dias atrás indiquei para esta paciente uma doação de óvulos. Mas aí minha amigas Ele me disse: eu estou no comando. Um tapa de luva que Deus me deu. Já me deu outros. Aceito o tapa meu Deus. Sou apenas um grãozinho de areia no deserto. Já sabia disto, agora sei mais ainda. Mas vamos começar o blog desta semana. Propus me a falar sobre a endometriose na era da reprodução assistida. Certo? Ok, então deixe me reavivar a memória de vocês: Nós já sabemos que a endometriose diminui as chances de você engravidar naturalmente. Também sabemos que se a sua endometriose for mínima ou leve os estudos realizados até aqui produziram resultados diferentes. Também sabemos que a sua fertilidade pode ser realçada se a endometriose for moderada ou severa e você for operada, mas os trabalhos neste tópico não foram bem desenhados. Feita esta breve revisão vamos abordar o tema proposto. Basicamente dois são os tratamentos da reprodução assistida: inseminação intra uterina – portanto, o que vai para dentro do útero são apenas os espermatozóides depois de lavados e escolhidos e a fertilização in vitro e aqui o que entra no teu útero já é o embrião pronto.
Inseminação intra uterina:
Vários estudos demonstraram que induzir a sua ovulação com gonadotrofinas – um tipo de medicamento injetável mais forte – quando associado à inseminação intra uterina nas pacientes com endometriose leva a maiores chances de engravidar. Deaton e colaboradores publicam na revista da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) um trabalho inseminação com o uso de clomifeno e intercurso sexual, em pacientes com endometriose corrigida cirurgicamente e observou que a inseminação era melhor do que a simples relação. Outro estudo de Chaffikin chegou à mesma conclusão. Um outro estudo comparou de forma diferente: em um grupo pacientes que fizeram inseminação e no outro apenas se observava sem nada fazer, todas tinha endometriose e o resultado favoreceu a fazer a inseminação do que nada fazer. Enfom , praticamente todos os estudos são unânimes em pontuar que a inseminação tem melhores efeitos na fecundidade do que o ato sexual isolado.
Fertilização in vitro
Apesar de não existirem estudos com um grande número de pacientes analisando se a fertilização aumenta as chances de se engravidar nas pacientes com endometriose, os estudos existentes, embora pequenos, pontua que a fertilização in vitro aumenta muito mais suas chances do que a relação sexual. Um pequeno estudo com apenas 21 pacientes com endometriose e infertilidade foram divididas em dois grupos: um grupo que era tratado com fertilização in vitro e outro nada se fazia. No grupo que fez a fertilização de 15, seis pacientes engravidaram e no outro grupo não se teve nenhuma gravidez. Recentemente, crescem as evidências que bloquear a ovulação destas pacientes por 3 a 6 meses antes da fertilização melhora bastante os resultados. Faz sentido. Quando a paciente ovula ela tem níveis elevados de estradiol e a endometriose é louca por este hormônio, na verdade, ela o ama, pois ele, o estradiol faz a endometriose crescer mais e mais. Então se eu te deixo sem ovular, faço os teus níveis de estradiol despencarem e a endometriose regride, assim como também regride as substâncias nocivas que ela produz.
Abordagem clínica para a mulher com infertilidade e endometriose
A decisão clínica do que fazer com a paciente com endometriose e infertilidade não é tão fácil pela ausência de bons e grandes trabalhos científicos. Acredito que o pilar de um bom planejamento terapêutico para esta paciente seja a sua idade. Sabemos que a tua fertilidade começa cair bem a partir dos 30 anos e acelera bastante de 35 em diante. Nas idades inferiores a estas creio que na suspeita desta doença poderíamos indicar a laparoscopia e se acharmos a doença tratar cirurgicamente. Se a endometriose encontrada estiver na forma mínima e leve trataríamos cirurgicamente e poderíamos esperar um tempo para a gravidez natural e somente na sua ausência partirmos para a reprodução assistida. Encontrar endometriose abaixo dos 30 anos em estágios mais avançados é um sinal de alerta e o manejo expectante deve ser visto com cautela. Nas pacientes acima de 30 anos e principalmente acima de 35 um manejo mais agressivo com inseminação ou fertilização in vitro deve ser mais considerado. A dúvida é se antes se faz a cirurgia ou não. Não existem testes randômicos e prospectivos avaliando este item; os trabalhos como já falei não são bem desenhados. Em resumo, os dados são limitados para estimar o efeito da cirurgia antes de se realizar uma fertilização in vitro em relação a aumentar ou não as possibilidades de gravidez. Particularmente, acredito que a melhor conduta é fazer uma fertilização in vitro nestes casos de endometriose avançada com mais de 30 anos e principalmente se acima de 35. Na possibilidade do insucesso pensaria na cirurgia. Vamos sumarizar então:
Existem poucos trabalhos científicos sobre os efeitos da cirurgia sobre a fecundidade em pacientes com endometriose.
A sua idade, a duração do seu problema de infertilidade, história familiar deve ser levada em consideração na hora de estabelecer um plano terapêutico com seu médico.
Se a laparoscopia for realizada o cirurgião deveria considerar retirar a doença desde que cumpridas às regras de segurança.
Em pacientes com endometriose leve e mínima associada à infertilidade, manejo expectante ou inseminação deveria ser considerada em pacientes com menos de 30anos. Mulheres com mais idade deveremos pensar em tratamentos mais avançados.
Em pacientes com endometriose moderada e severa associada à infertilidade devemos pensar em formas mais avançadas de tratamento, mesmo nas mais jovens. Não podemos, no entanto, descartar a cirurgia como primeira alternativa. Na falha das técnicas de reprodução assistida, considerar a cirurgia, para depois tentar novamente a fertilização in vitro.
Bem, vou ficando por aqui, feliz da vida com o tapa que Ele me deu. Tenham todos uma ótima semana. Fiquem com Ele…sempre!