Para possibilitar a gestação

O que fazer para aumentar a possibilidade de uma gestação?  importância que as pessoas dão à maternidade e à paternidade é inerente à espécie humana. “Trata-se de um impulso inconsciente, relacionado à preservação do nosso DNA sobre a Terra. Para muita gente é um sonho. Entre estas pessoas que já atendi nenhuma deixou de sofrer algum tipo de abalo: mal-estar, sensação de perda e de impotência dentro desse universo”, pontifica o médico Sebastião Evangelista Torquato Filho, especialista em Reprodução Humana, que vivenciou a dificuldade e realizou este sonho.

“Quando recebi esse diagnóstico para a minha mulher eu sabia, por dentro, que queria ser pai. Isso tem uma importância muito grande na vida de uma pessoa”, sentencia.

Nesta modalidade da Medicina em que o casal se identifica com um sonho, o especialista não está atendendo a alguém “doente”, mas sim que sofre com algo que está “fora da realidade”.

A questão interpõe-se na relação médico-paciente e, segundo o especialista, não encontra respaldo nas políticas públicas de saúde. “Um laboratório de inseminação moderno custa ao redor de R$ 40 mil, e um aparelho de ultrassonografia cerca de R$ 150 mil. Enquanto há muitos desses aparelhos no atendimento do setor público, não há nenhum laboratório de inseminação, que estão no setor privado, voltados às pessoas de mais renda”, aponta Torquato Filho.

A diferença é grande daqui para a Bélgica, por exemplo, em que o governo subvenciona até seis ciclos de fertilização para um casal, ou seja, colabora para que este casal faça até seis tentativas de engravidar. “Se isso é feito é porque é possível. Enquanto isso, o SUS paga cirurgias (de transplante, por exemplo) de custo elevadíssimo”, compara.

Para o médico, o poder público apóia quem não quer ter filhos custeando estrutura hospitalar, anestesista, cirurgião, enfermeira, lençol, lavanderia etc., para esterilizar uma pessoa, mas nada oferece a quem não pode engravidar. “Dá camisinha, anticoncepcionais, faz campanhas para controlar a natalidade, mas não oferece um laboratório de inseminação a quem quer engravidar. Me impressiona esta discriminação, considerando ainda que a taxa de natalidade no Brasil está caindo”, informa.

O especialista questiona ainda o processo de formação do preço para esse sonho. “Na verdade, o procedimento não tem esse preço que é cobrado. Em termos de insumos básicos, custa cerca de R$ 150 para se colocar sêmen num cateter. Porém, os valores são extrapolados em função de isto ser um sonho e isso é ruim, porque passo a atingir uma parcela mínima da população”, revela.

Para que esta situação se transforme, o poder público tem que assumir a realização desta especialidade médica, e os especialistas o de agentes dessa realização. “Não tenho como montar uma estrutura para ajudar uma pessoa gratuitamente, mas o poder público tem como arrecadar impostos e fazer este benefício para a população”, pondera Torquato Filho, que afirma ter tentado buscar recursos junto a ONGs e à BENFAM – Sociedade Civil de Bem-Estar no Brasil, que oferece diversos tipos de anticoncepcionais e preservativos, além de promover orientação sobre controle de natalidade, doenças sexualmente transmissíveis e outros temas relacionados à saúde. Ainda assim, o médico prevê uma perspectiva de melhora neste quadro.

“Considero um descaso do poder público com esse casal que quer engravidar, principalmente quando comparo com o casal que não quer ter filhos, que têm à disposição todo um aparato oficial, e vou continuar falando sobre isso, fazendo uma cobrança pública, porque sei que não é caro”, contabiliza. Ele não se refere a toda a estrutura necessária — em sua clínica o investimento em aparatos tecnológicos chega a R$ 700 mil — mas, segundo diz, com até R$ 250 mil é possível montar um laboratório de fertilização que obteria 30% a 40% de gravidezes anuais, pelo preço de 1,5 aparelho de ultrassom.

UMA MEDICINA DE SONHOS
Quando a clínica que criou em 1998 começou a atuar, em seu primeiro ano conseguiu produzir 30 casos de gravidez. “Foi uma prova que tínhamos que passar frente ao próprio mercado, com uma medicina própria da classe A, frente a uma maré adversa.

Dez anos depois, obtivemos 300 casos, um aumento absurdo na procura”, conta Evangelista Torquato, referindo-se a 2007. Com isso, os custos para a realização do sonho das pessoas que a procuravam, à medida em que não precisavam se deslocar mais ao Sul — única referência para a questão no País até então —, tornaram-se mais acessíveis. “A relação com o médico ficou mais afetiva, trazendo uma flexibilidade maior de pagamento, com mais pessoas tendo acesso”, completa.

Em 2007, a Clínica Bios obteve 63% de gravidezes entre pacientes com até 35 anos, um número igual a qualquer centro de referência localizado “lá fora”. Hoje, a clínica faz parceria com o centro de reprodução humana que produziu o primeiro “bebê de proveta” em Roma, Itália, e está desenvolvendo outra com a Universidade de Bruxelas, através do Dr. Johan Smitz. “Em pacientes em idade reprodutiva de até 35 anos, com câncer e em radioterapia, é possível retirar e congelar os ovários e mais tarde, após o tratamento quimioterápico, fazer um reimplante. É uma parceria mais tecnológica”, relata.

Mais uma relação de troca de tecnologia acontece com um centro em Denver, Colorado (EUA), que anunciou ter obtido 77% de gravidez em pacientes com até 35 anos. “O debate sobre a questão do acesso à Medicina Reprodutiva por parte da população em geral é muito frio.

É uma medicina de poucos médicos (aqui deve haver 7 ou 8 especialistas), não há nenhum tipo de especialização. Comparando com a Cirurgia Plástica, também uma medicina de sonho, que se tornou muito mais popularizada (hoje as faixas A, B e C fazem plástica), vemos que há um poder de crescimento ainda imenso”, avalia o médico.

Com esta perspectiva, conforme estima o especialista o posicionamento do setor para a próxima década deverá contemplar o estímulo ao debate visando 1) levar o poder público a assumir o compromisso com esse casal que quer engravidar (“O governo não pode eximir-se disso”), 2) não fazer apenas críticas mas ter papel ativo, fomentando parcerias com ONGs e entidades filantrópicas que tragam recursos, e 3) socializar mais este tratamento, para baixar o preço dos procedimentos — uma regra de mercado que se pode aplicar também aqui. “São estas as três tarefas para a Medicina Reprodutiva, para termos um boom como o que já houve na Europa e nos EUA, mas ainda não em nenhum Estado do Brasil”, considera.

A especialidade só virará o jogo se o poder público entrar para jogar também.

Eu proponho apoio e treinamento ao poder público, e quero dar os parabéns ao anúncio de que a prefeita Luizianne Lins irá cumprir sua promessa de campanha de criar o Hospital da Mulher, que deverá incluir em sua filosofia a atenção devida à Medicina Reprodutiva, concordando com a minha visão de que a felicidade das pessoas é um sonho necessário”, finaliza.

No programa Rádio-Debate, apresentado dia 26 de fevereiro na FM Universitária pelo jornalista e professor Agostinho Gósson, a enfermeira Lourdes Góes Araújo — coordenadora da área técnica do projeto Hospital da Mulher, da Prefeitura Municipal de Fortaleza — convidou a população para o ato simbólico de lançamento do edital de licitação para o Hospital da Mulher. O evento ocorreu no dia 4 de março, no terreno onde será erguido o edifício (Jóquei Clube), com a prefeita lançando o edital e confirmando que, entre outras características, prevê-se que no Hospital da Mulher haverá um centro de reprodução assistida.

Além do médico ginecologista Evangelista Torquato, o citado programa radiofônico contou ainda com a participação e contribuições da médica ginecologista e professora Zenilda Vieira Bruno (diretora da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand da UFC) e de Emília Almeida, coordenadora do Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher da Secretaria do Saúde do Ceará.

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QUEM SOFRE COM A INFERTILIDADE

Cerca de 20% das pessoas entre 15-45 anos têm problemas quando vão tentar se reproduzir. “A infertilidade é um problema mais freqüente do que o câncer de mama, a Aids, o Mal de Hansen, a tuberculose e o diabetes”, esclarece Torquato Filho. “Só perde para episódios cardiovasculares e acidentes (motivados por armas de fogo e brancas e pelo trânsito), isso para ficar só num comparativo com os problemas que são atendidos pela estrutura do setor público”, contrapõe o especialista.

A distinção oficial feita entre as pessoas é cruel: o governo promove cirurgias de vasectomia e esterilização e distribui preservativos e “pílulas do dia seguinte” como forma de controlar a natalidade, mas não dá qualquer atenção ao casal que quer ter filhos e não pode tê-los — mesmo com os meios à disposição e a despeito dos custos não serem altos. “Falta um componente emocional numa dimensão pública, que com a realização desta proposta da Prefeitura pode se fazer presente”, acredita.

 

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