Novas regras de reprodução assistida possibilitam a doação de óvulos entre familiares e permite transgêneros no processo de FIV

Já está em vigor a nova resolução (nº 2.294), do Conselho Federal de Medicina. O documento, que altera as novas regras de reprodução assistida no Brasil, foi publicado no Diário Oficial da União em 15 de junho. A última mudança tinha acontecido em novembro de 2017. Agora, as clínicas de reprodução humana do país vão poder ampliar os tratamentos e atender pacientes transgêneros para processos de fertilização in vitro, FIV, antes limitado a casais homoafetivos e heteros. A medida também passou a permitir a possibilidade de doação de óvulos entre familiares (parentes de até quarto grau não consanguíneos), para gravidez compartilhada e para transferência de embriões.

No Ceará, as mudanças repercutem principalmente em clínicas especializadas no assunto. “A atualização periódica dessa normativa é um reflexo dos avanços das técnicas de reprodução assistida e das próprias demandas da sociedade. Ao longo dos anos, tivemos a expansão do uso da técnica para a preservação social da fertilidade e a inclusão de casais homoafetivos e de mulheres solteiras. Agora, explicitamente os transgêneros”, explica o Dr. Evangelista Torquato, especialista em reprodução humana, que atua na Sollirium Heath Group, Clínica referência em reprodução humana no Estado.

No entanto, nem todas as mudanças foram positivas. A limitação do número de embriões gerados por ciclo de tratamento preocupa os pacientes e os especialistas. “É um ponto controverso. Na prática, pode incrementar custos financeiros e desgaste físico e emocional para os casais que vão ter que passar por sucessivas etapas de indução e captação de óvulos, impactando também as chances de sucesso do tratamento”, pondera.

Quem são os pacientes da reprodução assistida?

As técnicas da reprodução assistida são permitidas para heterossexuais, homoafetivos e transgêneros. Na nova regulamentação, não há mais explicitação de casais ou pessoas solteiras. Na prática, além do tratamento dos casais inférteis, dos casais homoafetivos e das produções independentes, há a inclusão da coparentalidade. Ou seja, um tipo de arranjo familiar onde duas pessoas se unem em torno da maternidade e da paternidade, sem estabelecer uma vida conjugal.

Quantos embriões podem ser transferidos no tratamento?

A nova norma diminui o número de embriões transferidos de acordo com a idade da paciente. Agora é possível transferir dois embriões se a mulher tem até 37 anos e até três embriões se ela tem mais de 37 anos. Se o embrião tiver passado por um diagnóstico genético e for euploide, isto é, tiver o número certo de cromossomos, também se transferem no máximo dois embriões.

A idade materna é o principal fator prognóstico do sucesso dos tratamentos de reprodução assistida e, por isso, interfere diretamente no número de embriões transferidos. “Há uma tendência mundial de buscar o melhor embrião para transferir para um endométrio receptivo no momento certo. Hoje se adota também a inteligência artificial por meio de incubadoras com a EmbryoScope na seleção do melhor embrião. A gravidez múltipla, apesar de ser desejada por muitos casais, é considerada uma complicação do tratamento. Nosso objetivo é ter um bebê saudável em casa por transferência”, pontua Dr. Evangelista.

Como ocorre a doação de gametas no Brasil?

A doação de óvulos e gametas segue anônima e sem caráter comercial no Brasil. A nova regulamentação, entretanto, ampliou a doação de gametas entre parentes de até quarto grau, desde que não incorra em consanguinidade. “Essa alteração reflete uma demanda da sociedade. Abre a possibilidade de você receber óvulos de uma irmã ou prima, por exemplo. Pode ser uma saída quando há dificuldade em selecionar doadoras com as características da receptora, mas deve ser avaliado individualmente, pelos impactos que conhecer o doador pode ter no arranjo familiar”, alerta o Dr. Evangelista.

Não há alteração na doação compartilhada de óvulos, quando paciente doa parte de seus óvulos para outra e recebe uma ajuda da outra paciente no seu tratamento. E houve uma diminuição da idade dos doadores de sêmen de 50 para 45 anos. Já para as doações de óvulos, houve aumento de 35 para 37 anos.

Diagnóstico genético dos embriões

Quando as técnicas de reprodução assistida forem associadas ao diagnóstico de alterações genéticas do embrião, o laudo da avaliação só poderá informar se o embrião é masculino ou feminino em casos de doenças ligadas ao sexo ou de aneuploidias de cromossomos sexuais. “O objetivo é evitar a sexagem, isto é, a escolha do sexo do bebê, que já era proibida nas resoluções anteriores”, explica Dr. Evangelista Torquato.

Como ocorre a gestação de substituição?

A gestação de substituição, quando uma mãe, irmã, tia, sobrinha ou prima gera o bebê para uma familiar que tem problemas no útero ou para um casal homoafetivo masculino, continua restrita a parentes consanguíneos até o quarto grau e sem fins lucrativos. A regulamentação passou a exigir, ainda, que a cedente tenha ao menos um filho vivo. “A norma explicitou uma prática comum nas clínicas. Nesses casos, já procuramos na família mulheres que tivessem tido a experiência de gestar e que passaram por uma avaliação prévia antes do tratamento”, esclarece o médico.

Entenda a controvérsia

A nova regulamentação surpreendeu pacientes e especialistas por limitar em oito o número de embriões gerados em laboratório. Isso significa que, se a mulher tiver 12 óvulos, apenas 8 poderão ser fertilizados. O que ocorre na prática é que nem todo óvulo fertilizado vira embrião e nem todo embrião gerado se desenvolve até o estágio de blastocisto. E, destes, nem todos são geneticamente normais para a transferência, nem todos se desenvolvem quando transferidos para o útero da mulher.
Isso impactará pacientes que passaram por falhas no tratamento de reprodução assistida ou que têm o planejamento para famílias maiores. “Há claramente uma preocupação com o conceito de vida e com a quantidade de embriões congelados, semelhante ao que aconteceu na Itália. Não se considerou a necessidade de individualizar os casos, de evitar onerar financeira e emocionalmente os casais”, adverte Torquato.

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