Endometriose – uma doença chata e feia!

Poucas doenças no mundo têm o poder de dar uma enorme dor física e muitas vezes também uma profunda dor psicológica. Mas a endometriose pode. Além da dor física real, ela pode levar a dor da ausência, a dor filho que não chega, a dor do sonho que não se realizou. Mas sentimentos a parte, vamos nesta semana conversar sobre ela. Vamos começar pela sua prevalência. Para você entender vou explicar assim: 10% de todas as mulheres que menstruam tem endometriose, mas se eu analisar apenas as mulheres que estão sem conseguir engravidar então a prevalência é de 30 a 40%; ou seja de cada 10 mulheres inférteis,3 a 4 têm endometriose. É muito alta a prevalência.

Será se a sua chance de engravidar esta diminuída por você ter endometriose?

A resposta é sim. Vamos aos números: definimos sua fecundidade como a chance que você tem de engravidar por mês. Em casais normais a fecundidade é de 15 a 20%, mas se você tem endometriose sua chance é de 2 a 10%. Cai pra caramba! E atentem se que a idade avançando faz estes números ficarem mais miúdos ainda. Mas deixem -me esclarecer uma coisinha: nem toda paciente que tem endometriose tem dificuldade para engravidar. Os números são esses: 50% das pacientes com endometriose também são inférteis, a outra metade engravida naturalmente.

Endometriose e infertilidade: uma relação de causa e efeito?

A hipótese que endometriose causa infertilidade é controversa. Observem que eu disse a vocês que metade das mulheres que têm endometriose engravidam naturalmente. Então partindo dessa premissa, se eu operar e retirar as lesões endometrióticas, a fecundidade desta paciente irá melhorar. Apenas dois trabalhos seguindo todos pré requisitos de uma pesquisa científica foram realizados no mundo. Um no Canadá e outro na Itália. O primeiro conclui que a cirurgia melhorava de forma significativa a fecundidade das pacientes em que as lesões endometrióticas foram retiradas quando comparada com as pacientes que foram operadas mas as lesões não foram retiradas. Mas ai quando tudo parece ficar claro vem o estudo italiano e mostra que a fecundidade era a mesma, independente de se retirar ou não as lesões. Voltamos ao ponto zero. Mas mesmo no primeiro estudo a fecundidade foi menor nas pacientes operadas quando comparado com mulheres férteis normais. Portanto, a fertilidade esta diminuída em pacientes com endometriose.

Que mecanismos biológicos poderiam ligar endometriose e infertilidade?

Aderências pélvicas:
Mulheres com endometriose tem mais aderências e estas aderências dificultam a trompa pegar o óvulo. Em algumas pacientes, na cirurgia, esta tudo aderido. Vocês não têm idéia! É intestino pregado nos ovários, que fica pregado no útero, que também esta preso ao intestino, às vezes, não sabemos nem qual é a estrutura que estamos manipulando. Neste ambiente a gravidez natural não passa de um sonho.
Função peritoneal alterada:
O peritôneo e um tecido que recobre todos os órgãos abdominais e, portanto recobre o útero, trompas etc. Este tecido produz substâncias, mas nas pacientes com endometriose este peritôneo secreta muitas substâncias que são nocivas para a reprodução, vou somente citar algumas delas: fator de necrose tumoral alfa, prostaglandinas, interleucinas e outras. Mas não importa estes nomes, importa saber que todas elas prejudicam seus óvulos, os espermatozóides que por lá chegam e os embriões formados neste ambiente bastante inflamado.

Implantação diminuída:
O endométrio é a camada mais interna do útero e é lá que o embrião se implanta. Pois no endométrio das pacientes com endometriose, uma substância muito importante para a implantação chamada alfa V beta 3 esta bem diminuída.

E quando você deve desconfiar que tem esta doença?
Se você esta com dificuldades para engravidar este fato te deixa com 40% de chances de ter esta doença. E muitas vezes esta é a única manifestação desta doença. O simples fato de você não engravidar é um fator de risco para esta patologia. Algumas mulheres sentem dor: normalmente uma cólica menstrual que vem aumentando, piorando nos últimos anos. Ás vezes aquele analgésico que você usava já não serve mais. A cólica que durava dois dias agora dura dois ou três. Muitas vezes é o intestino que dá a pista: normalmente a paciente com endometriose tem constipação crônica, passa dias sem um funcionamento adequado, mas quando menstrua passa a funcionar mais, algumas vezes com alguma dor. No toque ginecológico que fazemos muitas vezes percebemos que é bastante doloroso, às vezes tocamos verdadeiros nódulos nesta área. Em outras ocasiões, esta doença tem manifestações bizarras. Tive uma paciente que quando menstruava vomitava sangue, isso mesmo, tinha uma endometriose no pulmão e quando menstruava o tecido endometriótico no pulmão também sangrava e ela tinha esta manifestação. Mas estas são raras manifestações. Por fim, pra se dar o diagnóstico desta doença tem que fazer uma laparoscopia – que é um procedimento cirúrgico, com anestesia geral, enfim, não é o mesmo que fazer uma exame de sangue para saber se tem diabetes.

Ok, Doutor agora eu sei que tenho endometriose, mas tem algum medicamento?

Para cura não tem não e acho que estamos longe deste sonho ainda. Na paciente com dor temos muitas opções de medicamentos desde os mais simples como os anticoncepcionais até os mais complexos como os análogos do GnRH, todos tem uma eficiência comprovada. Mas uma alerta: nenhum medicamento pode melhorar a sua fertilidade natural. Portanto, não adianta usar estes medicamentos achando que será melhor para você engravidar. Tenho várias pacientes que chegam ao meu consultório usando remédios achando que o seu potencial de fecundidade irá melhorar. Informo que este não é o caminho!

Eu preciso me operar então?

Novamente depende de vários pontos. Se procura seu médico essencialmente por dor, a cirurgia é quase impositiva e muitas vezes seguida de medicamentos como aqueles que falei anteriormente. Mas veja bem, vai se operar tendo que ter conhecimento que apenas as lesões visíveis serão retiradas, ou seja, a doença pode voltar. Mas o nó da questão é quando a paciente quer engravidar. Opero ou não opero? Então antes de responder eu preciso introduzir outro conceito para vocês. O conceito do estágio da endometriose. Temos 4 estágios: endometriose mínima, leve, moderada e severa. Os únicos trabalhos feitos obedecendo aos critérios científicos corretos foram aqueles dois que eu já citei pra vocês: o canadense e o italiano. Mas estes trabalhos somente analisaram as pacientes com endometriose mínima e leve. E a conclusão nós já sabemos: um trabalho mostrou melhores taxas de gravidez com a cirurgia e o outro não. Quando misturamos estes dois trabalhos existe uma leve tendência a favorecer a cirurgia, mas é apenas de forma leve. Seriam feitas 12 cirurgias para se conseguir uma gravidez a mais. Quando nos dirigimos às pacientes com endometriose moderada e avançada, não temos trabalhos bem feitos. As conclusões destes trabalhos favorecem a cirurgia mas é preciso ter cuidado com a leitura destes resultados pois a metodologia usada não foi a mais apropriada.

Então eu poderia associar tanto a terapia medicamentosa como a cirúrgica para tratar a minha endometriose?

Em tese sim, mas nenhum trabalho mostra vantagens em aumentar a sua fertilidade. Então se o foco em questão for você engravidar esta pode não ser uma boa saída, mas se o seu foco for aliviar a sua dor aí eu acho que vale muito a pena.
Resumindo:
A endometriose não tem cura.
Pode se manifestar principalmente por dor pélvica e infertilidade.
O tratamento cirúrgico tem efeitos claramente positivos em aliviar a dor.
O tratamento cirúrgico não tem claros efeitos em melhorar a sua fertilidade.
Vou ficando por aqui, o assunto é bom demais mas vou preferir falar em dois tempos, próxima semana vou falar sobre a endometriose na era da reprodução assistida. Tenham todos uma excelente semana. Fiquem com Deus..sempre!

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